Governança das águas no Brasil
Introdução e modelos de gerenciamento
A partir dos anos 1970 notou-se que não era mais possível desconsiderar os impactos socioambientais nem excluir os diferentes atores do processo de tomada de decisão sobre a gestão das águas no Brasil e o papel do estado, enquanto gestor exclusivo, passou a ser questionado. É possível compreender, portanto, a evolução dentre os 3 modelos básicos de gerenciamento dos recursos hídricos no país:
-Burocrático: mais antigo e difundido, tem como principais características a
racionalidade e a hierarquização das ações, bem como o estabelecimento de dispositivos
legais específicos – leis, normas, decretos – e a inclusão de dispositivos sobre as águas na
própria Constituição;
-Econômico-financeiro: que se caracteriza pela “[...] utilização predominante de instrumentos econômicos e financeiros para induzir ou mesmo forçar a obediência às normas e disposições legais.”, em sua maioria, estabelecidas pelo modelo anterior;
-Sistêmico de integração participativa: aproveita os aspectos positivos dos modelos
anteriores e adota alguns procedimentos e mecanismos inovadores pela maior inclusão dos distintos atores possíveis na gestão. Tal modelo, vigente atualmente, promove a descentralização do gerenciamento que passa a ser realizado de forma compartilhada pelo Estado e pela sociedade em espaços criados para esta finalidade – os conselhos, comitês ou agências de bacia hidrográfica; A promoção de maior articulação e integração entre os vários níveis de governo, da sociedade e do mercado é positiva e, para tanto, é necessário que existam estímulos ou incentivos para que os governos locais, assim como os membros da sociedade civil, assumam maiores responsabilidades no processo de implantação de políticas públicas.
Histórico
No 7.663/1991, que instituiu a Política de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo, e a Lei Federal No 9.433/19978, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.
No caso paulista, a descentralização refere-se à adoção da bacia hidrográfica como unidade regional de planejamento e gerenciamento das águas, o que resultou, em 1993, na
divisão do Estado de São Paulo em 22 Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRHIs. No âmbito regional, os órgãos consultivos e deliberativos de gerenciamento das UGRHIs são denominados Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH - 14).
Entretanto, historicamente, a gestão das águas no Brasil ocorreu de forma fragmentada e centralizada: fragmentada porque cada setor realizava seu próprio planejamento e propostas de medidas; e centralizada pelas políticas federais e, em menor medida, estaduais, sem participação dos governos municipais, sociedade civil e usuários da água. Nota-se pela promulgação do Código das Águas, em 1934, a vigência do modelo burocrático, já que passava para o âmbito da União a concessão dos aproveitamentos hídricos e dos serviços de distribuição de energia elétrica (anteriormente responsabilidade dos Estados e Municípios).
Em meados do século XX passa a ser adotado o modelo econômico-financeiro, marcado pela criação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, em 1948. A Constituição de 1946 tendenciava à descentralização porém, na prática, mantinha-se a centralização do Governo Federal, acentuada então com o golpe militar de 1964 pela criação do Departamento Nacional de Água e Energia, juntamente com o Ministério das Minas e Energia.
Como citado inicialmente, nos anos 1970 o quadro começa a mudar: em 1980 foi aprovado o III Plano Nacional de Desenvolvimento. Outros marcos foram a Lei Estadual drográficas. Assim, cada UGRHI corresponde a um CBH.
Conflitos, participação e consensos
Em uma situação de escassez de água verificam-se conflitos relacionados à apropriação desta, considerando uma dada demanda. Pensando nisso, tal questão foi incluída na Lei das Águas (Lei 9.433/97) que tem como um de seus objetivos “arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos”, atividade que compete, em primeira instância, aos Comitês de Bacia Hidrográfica, compostos por representantes dos órgãos estaduais, dos órgãos municipais e da sociedade civil. Porém é necessário superar a versão idealizada de governança que apresenta o estado, o mercado e a sociedade civil como parceiros que participam de uma relação simétrica e despolitizada. Acaba não sendo efetivo no momento em que usos da águas definidos como prioritários - como uso doméstico - são superados por outros - geração de energia elétrica, agricultura e industria - devidos a interesses econômicos.
O desafio, portanto, é superar os limites do processo de negociação técnica e social em função do déficit de articulação entre as instâncias de gestão dos recursos hídricos e os governos municipais, bem como de comunicação e participação dos diferentes atores envolvidos.
Cada vez mais é necessário aumentar a capacidade governativa, desenvolvendo e aperfeiçoando os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses, bem como criando estímulos ou incentivos para que os governos locais, assim como os membros da sociedade civil, assumam maiores responsabilidades no processo de implantação da política de gestão das águas.
Resumo didático elaborado pelas alunas baseado no artigo de Valéria Nagy de Oliveira Campos e Ana Paula Fracalanza, que analisa a gestão das águas no Brasil a partir do histórico de políticas públicas relacionadas às águas, considerando: instituições envolvidas; descentralização; conflitos pela apropriação da água. Procura demonstrar que o processo de implantação do novo sistema de gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil deve suplantar as resistências e estruturas próprias dos antigos modelos, o que demanda um tempo considerável para sua maturação e aprimoramento. O artigo original pode ser lido na sua integra clicando aqui.